Torno foi escrito ao longo de alguns anos. Nele, desvela-se um caminho em espiral que enfim sai da gaveta. Poema a poema. Convido você, leitor, a abrir comigo esses cadernos, sempre incompletos. Os anos de escrita se farão semanas de leitura, condensados no tempo. Coincidência ou não, o ciclo começa hoje, oito de março.

terça-feira, 25 de março de 2014

Lua


Vai chover, e a chuva
promete lavar o meu sangue
que escorre pela janela
pela greta do assoalho
pelos poros do cimento da parede.
Debaixo da porta não vaza
uma gota
pois aí
(antes mesmo de atravessar)
ele talha.

A chuva traz 
uma promessa 
boa:
o sangue mais ralo
corre melhor terra adentro.



domingo, 16 de março de 2014


corpo
corpopodre
corpopobre
corpopolvo
corpopó
corpopútrido
corpoputa
corpopula
corpocópula
corpocopo
corpocapo
corpocaro
corpocara
corpocarpo
corpoparco
corpoporco
corpopromessa
corpodívida
corpodevida
corpovida
corpovil
corpovício
corpovivo
corpoviu
corpovir
corpoir
corpoar
corposol
corposó
corpopó
corpopá
corpopaz
corpopus
corpopuz
corpoputz
corpopum
corpopão
corpão

segunda-feira, 10 de março de 2014

                                  Interlúdio I



O porão da casa velha, conhece? É o lugar pior do mundo. Cheira a mofo de terra, de terra onde nunca se enterrou ninguém, terra mais só. Lá guardei uma caixinha trancada, de ferro para o fogo nunca destruir, e vou morar dentro da caixinha. Vou entrar e dormir, dormir até o mundo nascer de novo. Dessa vez não vou ser eu quem vai parir, porque da outra vez não tive forças e morremos, eu e o mundo nem nascido. Dessa vez vou nascer também, sem esforço, sem dor, sem escolha. Que não me falte também o ar.

De vez em quando dou uma olhada pela fechadura da caixinha, embora dormindo, porque tenho medo de o mundo nascer sem mim. Mas não há perigo. Também por isso a caixinha é de ferro: quando ela se misturar à terra do mundo, eu vou nascer, viva, viva, e também serei terra. Com pavor a vasos de flor.

sábado, 8 de março de 2014

Prólogo*

*Engano-me: prefácio. Isso não é teatro. É eu. Lírico.

Quem pensa que são poemas
de amor, engana-se.
São poemas de desvario,
de desengano, de desamor.
São poemas de busca apaixonada.

A autora mesma se engana,
e diz pra quem quiser ouvir:
- Leva, meu bem, me leva o livro.
Tudo aqui foi por amor.